sexta-feira, 10 de junho de 2022

Deriva

Atualmente a poluição sonora é constante nas grandes cidades, como Lisboa.

Este ambiente barulhento afeta a cidade e o estado mental das pessoas de forma inconsciente, alienando-as da cidade e de apreciar o momento.

Com este trabalho pretendo resgatar a cidade através da música e de como as pessoas reagem ao ambiente musical.

Acabei de chegar ao rossio e reparo que à saída da estação está uma senhora a vender gelados. A sua banca só tem um congelador e 2 chapéus de sol. Como não ocupa muito espaço, a banca de vendas cabe no pequeno passeio entre 2 semáforos. A senhora está sentada num banco e parece aborrecida, agora que não há muita circulação por estes semáforos, a única coisa que lhe parece fazer companhia é o rádio antigo que tem por cima da arca do qual sai uma música nostálgica.

Sigo para a rua principal, mas está muita confusão, logo que posso viro na próxima rua porque tem menos pessoas.

Na curva da rua está um restaurante acolhedor e a música capta a minha atenção. Já passei por aqui várias vezes no meu caminho para a estação de comboios, assim sei que este restaurante toca sempre música tradicional. Ao contrário de outros restaurantes que tocam os hits pop mais relevantes, este é fiel às tradições portuguesas, não só na música, mas também na forma que está decorado.

A chegar ao elevador de Sta. Justa ouço um som repetitivo e aproximo-me para ver o que é. Um senhor de meia-idade está sentado no chão e segura em tambor enorme. Toca repetidamente um ritmo simples e por vezes fora de tempo. A cada batida saía um som estranho, parecia que a pele do tambor se ia rasgar a qualquer momento. O senhor continua a tocar e mesmo sem qualquer audiência, parece que se está a divertir. É neste ambiente alegre que me lembro das primeiras vezes que toquei bateria, um ritmo repetitivo e fora de tempo que ao meu ouvido parecia uma complexa obra de arte. Divertia-me imenso a tocar bateria e neste momento é o que desejava estar a fazer.

Agora a subir a rua dos armazéns do chiado, paro perto de uma roulotte/carro antigo que faz de loja. Lembro-me de passar por esta loja mais vezes, aberta ou fechada a música é constante e contagiante, quem passa por aqui, para, aprecia a música e tira fotos. O fado português é o único estilo de música que se ouve, e a sua ressonância neste ambiente desperta o romantismo da cidade e lembra a relevância do fado em lisboa.

No Largo do Carmo ouço um som baixinho de uma guitarra clássica. Sigo esse som e encontro um senhor que toca guitarra e canta muito bem. Toca uma música que não conheço, no estilo de bossa-nova. Por aqui não circula muita gente, mas quem passa, para, para apreciar a música. Não há quem não goste de bossa-nova, mesmo não entendendo o que o senhor canta, os turistas que passam têm um sorriso na cara.

Cheguei à praça Luís de Camões e estava cheia de gente, pensei em mudar de direção para fugir à confusão, mas reparei que no meio da praça estava um grupo de pessoas que formavam uma roda. Associei essa roda de pessoas a um possível artista de rua e depois de alguns encontrões e desvios, consegui aproximar-me do grupo. Era um pianista jovem com um teclado eletrónico ligado a um pequeno amplificador e tocava algumas músicas clássicas e outras pop. Aqui as pessoas passam para conhecer a praça, mas acabam por ficar a desfrutar da música, interagem com o restante público e fazem novos amigos.

De frente para o café ‘A Brasileira’ no Chiado, está um velhote que canta como fala.  De braços cruzados e cara trancada, canta uma cantiga portuguesa que parece antiga. Os clientes do café acham a situação engraçada, olham para o senhor como se estivessem a perguntar a si mesmos porque é que o senhor, que não canta muito bem, decidiu sair para cantar, e porquê aqui? Por outro lado, quem passa na rua, olha, sorri e segue caminho. Este senhor lembra a Lisboa antiga.

Agora perto do metro penso em sair do Chiado e o destino que me vem à cabeça é a faculdade de ciências.

Chego à estação de metro do Campo Grande e vou até ao Jardim Mário Soares. Junto ao lago está um casal, a rapariga toca guitarra e o rapaz canta uma música portuguesa.

A sair do jardim encontro um grupo de praxe que canta a gritar. Estão todos muito divertidos a fazer jogos e tradições de praxe.

Vou até ao metro da Cidade Universitária e ao entrar ouço uma guitarra clássica e uma voz rouca. Já é a terceira vez que encontro este senhor aqui, com um ar descontraído e amigável segura uma guitarra com flores desenhadas. As paredes estão cobertas de arte, desenhos e poemas, o som propaga-se pelo corredor e afeta alegremente todos os que por aqui passam.

As flores na guitarra lembraram-me da Estufa Fria e é para aí que escolho continuar o meu caminho.

Na entrada da Estufa Fria o ambiente é calmo, relaxante e fresco e só se ouve os pássaros e gansos que aqui vivem. Andei até ao fundo da estufa e aqui, ouve-se uma música pop que é repetida várias vezes, saltos e gritos. Percebi que é um grupo que dança dentro do pavilhão, devem estar a treinar para um espetáculo.

Apanhei o metro para o Terreiro do Paço, e perto do rio está um pianista que toca virado de frente para o rio. As pessoas que param para apreciar a vista distraem-se com o pianista e a sua música clássica.

A chegar ao arco da Rua Augusta encontro um grupo de dança, que traz consigo uma coluna e um saco de acessórios. Dançam ao som da música e têm um público tão grande que quase bloqueiam a passagem. Quem passa por aqui é atraído pela música e pelos movimentos entusiastas deste grupo e ninguém fica indiferente a este ambiente.

Já na FBAUL encontro 2 pessoas que dividem um par de fones. Não sei que música estão a ouvir, mas pela reação delas parece que estão a ouvir uma música nova, de algum artista que ambas gostam. O entusiasmo contagia e desperta curiosidade a todos os que passam por elas.

A música tem muito efeito em nós, principalmente ao ar livre e nas ruas de uma cidade como Lisboa. É fascinante cruzarmos com os que lá vivem, trabalham ou visitam e analisar o ambiente que os rodeia e como isso os transforma. A música desperta a cidade e alegra os que por ela passam.